O Ciclo da Repetição: Por que Você Insiste em Padrões de Sofrimento e Como a Psicanálise Pode Quebrar Esse Loop

Você já parou para pensar por que certas situações dolorosas parecem se repetir na sua vida? Relacionamentos que terminam sempre da mesma forma, chefes que lembram figuras do seu passado, ou aquela sensação de tropeçar na mesma pedra, não importa o quanto você tente mudar o caminho? Se a resposta é sim, você não está sozinho. A psicanálise tem um conceito central para explicar esse fenômeno intrigante: a compulsão à repetição. E, ao contrário do que parece, essa repetição de sofrimento não é azar nem uma escolha consciente, mas sim uma força poderosa e, em grande parte, invisível que age em nosso inconsciente.

Priscilla Klinkerfus Dias- Psicanalista

9/29/20254 min read

photo of white staircase
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A Força Invisível: A Compulsão à Repetição em Freud

Sigmund Freud, o pai da psicanálise, percebeu que seus pacientes não apenas recordavam de eventos traumáticos ou difíceis, mas muitas vezes os reviviam em suas vidas atuais, especialmente na relação com o analista (o que ele chamou de transferência).

Inicialmente, Freud pensou que a mente humana buscava o prazer e evitava a dor (o Princípio do Prazer). Mas como explicar, então, a insistência em padrões que causam sofrimento? Por que a pessoa se envolve repetidamente em situações que a fazem se sentir rejeitada, abandonada ou inferior?

Para dar conta desse enigma, Freud postulou a existência da Compulsão à Repetição, uma força que atua "além do Princípio do Prazer". É como se houvesse uma necessidade interna de repetir experiências do passado, mesmo que sejam dolorosas, buscando, inconscientemente, dominar ou elaborar o que não pôde ser processado na primeira vez.

Em linguagem simples:

É como se o nosso psiquismo estivesse preso em um disco riscado. A cena do passado (o trauma, a dor, o conflito não resolvido) não pode ser lembrada de forma clara, então ela é encenada na vida presente, numa tentativa fracassada de ter um final diferente. O problema é que, ao repetir, a pessoa revive a dor sem, de fato, processá-la.

O "Saber" do Inconsciente e a Insistência de Lacan

Jacques Lacan, um importante psicanalista que revisitou a obra de Freud, trouxe a perspectiva da linguagem para o debate. Para Lacan, a repetição está ligada ao que ele chamou de Real (o que escapa à linguagem) e ao gozo (um tipo de satisfação paradoxal, muitas vezes ligada à dor e ao sintoma).

Lacan explica que o que se repete não é apenas o evento, mas a estrutura da falta e do desejo que nos constitui. O sofrimento repetitivo tem um significado, um "saber" que está no inconsciente, mas que a pessoa desconhece e, por isso, é obrigada a "agir" esse saber.

O que isso significa para o seu ciclo de sofrimento?

A repetição dolorosa é uma forma de linguagem, uma maneira do seu inconsciente dizer algo que não pôde ser dito em palavras. Você repete o ciclo porque o seu "eu" ainda está tentando se orientar a partir de coordenadas antigas e inconscientes sobre quem você é e qual é o seu lugar no mundo.

A Questão do Ambiente e a Necessidade de Confiança em Winnicott

Outro psicanalista fundamental, Donald Winnicott, lança luz sobre como a repetição se manifesta em termos de ambiente e relação. Winnicott foca na importância dos cuidados iniciais e do ambiente facilitador para o desenvolvimento de um Verdadeiro Self (o eu autêntico).

Para Winnicott, quando o ambiente falha em ser "suficientemente bom" (ou seja, quando há falhas nos cuidados essenciais na infância), a criança pode desenvolver um Falso Self – uma persona adaptada para proteger o eu verdadeiro, mas que não expressa a espontaneidade e a autenticidade.

A repetição, aqui, pode ser vista como:

  1. A busca incessante pelo cuidado que faltou: A pessoa repete relacionamentos onde ela se coloca em posição de dependência ou negligência, numa tentativa eterna de, finalmente, encontrar um "ambiente" que não falhe.

  2. A atuação do Falso Self: A pessoa repete um modo de ser que não é o seu, mas que foi construído como defesa, gerando um sofrimento de viver uma vida "falsa" e desconectada de seus reais desejos.

Winnicott sugere que a análise deve oferecer um ambiente seguro e de confiança, onde a pessoa possa, pela primeira vez, regredir à dependência e experimentar a espontaneidade que foi sufocada, quebrando o ciclo da repetição através de uma nova experiência relacional.

Como a Psicanálise Quebra o Loop

A psicanálise não se propõe a "resolver" o problema com dicas práticas, mas sim a quebrar o ciclo da repetição de dentro para fora, através de três passos centrais:

  1. Transformar o Ato em Palavra: O analista oferece um espaço onde a repetição não é apenas revivida (no que Freud chamou de atuação), mas é falada e interpretada. A análise transforma o "agir" inconsciente em "recordar" consciente. Ao dar nome, sentido e história ao que se repete, a energia presa no ciclo se liberta e se torna material para a reflexão e a elaboração.

  2. Elaboração: Este é o trabalho lento e profundo de reconhecer os padrões, aceitar as dores do passado e integrar essa história na vida atual. Não se trata de apagar o que aconteceu, mas de mudar a maneira como a história comanda o presente. A repetição dá lugar à diferença – você pode escolher uma nova resposta, pois agora sabe o que antes só atuava.

  3. Abertura para o Novo: Ao invés de ficar preso ao destino ditado pelo inconsciente, a análise promove uma abertura para a liberdade de desejar. O fim da repetição dolorosa é a possibilidade de assumir a responsabilidade pela própria vida e pelo próprio desejo, permitindo que o novo, o inesperado e o genuíno possam surgir.

Se você se identifica com esse ciclo, saiba que o primeiro passo para quebrá-lo é dar voz ao seu sofrimento. A psicanálise é um convite corajoso para entrar em seu labirinto interno, não para se perder, mas para encontrar a saída que o levará a uma vida mais autêntica e menos ditada pelo passado.