Ansiedade na Era Digital: O que a sua Inquietude Constante Está Tentando Comunicar sobre Seu Inconsciente

Vivemos a era da hiperconectividade. Nossos smartphones tornaram-se apêndices, janelas incessantes para um mundo virtual onde a informação é instantânea e a validação, medida em "curtidas". Nesse cenário, a ansiedade se tornou uma epidemia silenciosa, um zumbido constante que acompanha o scroll interminável. Mas o que essa inquietude digital está, de fato, revelando sobre nosso universo interno? A psicanálise, com seus olhares sobre o inconsciente, oferece um farol poderoso para decifrar essa mensagem.

Priscilla Klinkerfus Dias- Psicanalista

10/17/20255 min read

O Mandato do Super Eu Algorítmico e a Cultura do Gozo

A psicanálise de orientação lacaniana nos convida a pensar a ansiedade como um afeto fundamental que surge na iminência do desejo. Jacques Lacan reformulou a ideia freudiana do Super Eu, transformando-o não apenas em um herdeiro da proibição, mas em um imperativo de gozo: "Goza!".

Na Era Digital, esse imperativo ganha uma roupagem algorítmica. O sujeito é convocado a uma performance constante, a uma auto apresentação bem-sucedida (o "eu performático" digital) sob a vigilância de um "Super eu algorítmico" que exige sucesso, engajamento e a ilusão de uma vida perfeita. A ansiedade digital pode ser lida como o sintoma desse gozo forçado. É a angústia diante da falha em cumprir o mandato da máquina: a exigência de estar sempre online, sempre produtivo, sempre feliz e sempre consumindo.

O Medo de Perder e a Busca pelo Objeto Perfeito: Bion e a Experiência Emocional

O famoso FOMO (Fear of Missing Out), aquele medo de ficar de fora que nos faz checar o celular o tempo todo, é um dos principais combustíveis da ansiedade na internet. O psicanalista Wilfred Bion nos ajuda a entender por que isso acontece, falando sobre como a nossa mente lida com as emoções.

Pense assim: a nossa mente funciona como um digestor de emoções. Bion diz que precisamos de uma "função digestiva" para processar sentimentos. Quando recebemos emoções muito fortes, cruas ou confusas – ele chamaria isso de "elementos beta", como um grito de bebê –, precisamos transformá-las em algo que possamos entender, lembrar e até sonhar – os "elementos alpha".

Acontece que a avalanche constante de estímulos digitais – notificações, notícias urgentes e posts sem fim – é como uma invasão de emoções cruas que a nossa mente simplesmente não consegue "digerir".

A nossa inquietude, aquele impulso constante de checar a tela, é uma busca desesperada por algo que nos acalme. No mundo digital, buscamos a conexão instantânea ou a validação imediata (uma curtida, uma resposta). Mas essa busca é uma armadilha: a satisfação dura pouco, e logo somos inundados novamente por um volume de informação que não conseguimos processar.

Assim, o nosso nervosismo constante está, na verdade, tentando nos dizer que estamos com dificuldade de segurar e entender o turbilhão de emoções que o mundo digital nos joga, mantendo a ansiedade sempre acesa.

O Espaço de Transição e a Falta de Solidão: A Contribuição de Winnicott

Donald Woods Winnicott, com sua ênfase no ambiente e na constituição do verdadeiro self, aponta para a importância do espaço de solidão e do espaço transicional.

Winnicott ensina que é na solidão que a criatividade se manifesta e o self autêntico se consolida. No entanto, a Era Digital criou um mundo onde a solidão foi quase erradicada. Estar "sozinho" fisicamente é muitas vezes sinônimo de estar online, sempre acessível e conectado.

Essa falta de "capacidade de estar só" — de se recolher e entrar em contato com o próprio mundo interno sem a demanda externa — impede o desenvolvimento do que Winnicott chamava de espaço transicional, aquele território entre o "eu" e o "não-eu", onde a brincadeira, a arte e a cultura residem. O bombardeio digital ocupa esse espaço. A ansiedade é, nesse contexto, a manifestação de um falso self hiper-adaptado às exigências da rede, sufocado pela necessidade de performance e privado do tempo e espaço para ser genuinamente.

A Escuta do Inconsciente no Silêncio da Tela

Hoje, a psicanálise e a vida digital andam de mãos dadas, e as pesquisas mostram que precisamos mais do que nunca de um espaço para sermos ouvidos. O ritmo acelerado e o excesso de ruído da internet tentam abafar quem somos. Essa ansiedade constante que sentimos não é frescura; é o nosso lado mais profundo (o inconsciente) pedindo uma pausa. É um sinal para largarmos a busca incessante por novidades nas telas e dedicarmos tempo a nos reencontrarmos.

O que sua inquietude está comunicando?

Ela está dizendo:

  1. "Estou sendo impelido a um gozo que me adoece." (Lacan)

  2. "Não estou conseguindo pensar o que sinto." (Bion)

  3. "Preciso de tempo e espaço para ser eu, e não o que a tela exige." (Winnicott)

Sofrimento Psíquico em Crianças e Adolescentes na Era Digital

Em crianças, o uso precoce e excessivo de telas pode comprometer o desenvolvimento da capacidade de suportar a frustração e autorregular-se emocionalmente (YouTube, 2024). A tela, usada como um "acalma-frustração", impede a criança de mobilizar suas próprias estratégias psíquicas. A inquietude infantil, o choro quando a tela é removida, não é apenas um "mau-comportamento", mas o grito do psiquismo que perdeu a capacidade de conter e pensar o tédio ou a falta, dependendo passivamente do estímulo externo.

  • O Impacto nas Crianças: Winnicott nos alerta que o desenvolvimento saudável exige que a criança brinque e use sua criatividade, necessitando de um ambiente facilitador. O excesso de telas, especialmente na primeira infância (até 2 anos), pode prejudicar a aquisição da linguagem, o vínculo e a construção da identidade, ao substituir a interação humana pela passividade do estímulo (Instituto Suassuna, 2025). A ansiedade, neste caso, pode ser lida como o afeto de um falso self prematuramente adaptado ao mundo digital e privado da liberdade de ser.

  • A Vulnerabilidade Adolescente: A adolescência é, por natureza, uma fase de profunda vulnerabilidade, marcada pelo "desamparo do excesso pulsional" (Pacheco, 2023). Nessa busca intensa por self, o adolescente precisa da solidão para integrar as mudanças corporais e psíquicas. A hiperconectividade rouba essa solidão, forçando o jovem a uma presença social contínua.

  • Comunicação Inconsciente: A ansiedade e a dificuldade de concentração (sinais frequentemente associados ao uso excessivo, conforme revisão em Research, Society and Development, 2021) comunicam o colapso do espaço de criação interna. O adolescente não consegue se distanciar do olhar do Outro (a rede) para se constituir. O cyberbullying, as comparações de autoimagem e a pressão para o pertencimento a um grupo, descritos em diversos estudos (Sepúlveda et al., 2021; SPDM, 2025), aprofundam a angústia e a sensação de inadequação.

Conclusão: O Desafio da Escuta

A ansiedade na Era Digital, sobretudo em crianças e adolescentes, é o reflexo de um conflito psíquico entre a exigência de uma vida online perfeita e a necessidade de um desenvolvimento offline autêntico. A psicanálise, ao sustentar a escuta clínica, não propõe apenas a redução do tempo de tela, mas a reabertura do canal de comunicação com o inconsciente.

A inquietação constante, o scroll compulsivo e a busca incessante por validação são tentativas desesperadas de acalmar uma angústia que é, em sua essência, um apelo à existência do sujeito para além do perfil, do avatar e do algoritmo. É um pedido de tempo para ser, e não apenas para aparecer.